UMA SÉRIA CASA NUM MUNDO SÉRIO



Batman: Asilo Arkham é uma Graphic Novel escrita por Grant Morrison tendo Dave Mckean como artista, a obra tem diversas referências e uma arte que foge do padrão das hq's em geral.
O Asilo Arkham é uma prisão psiquiátrica, morada dos maiores vilões do Batman, localizada numa ilha vizinha a Gotham City. A estória começa quando o cavaleiro das trevas é chamado pelo seu arqui-inimigo, o Coringa, a visitar o manicômio depois de uma rebelião, sendo o Batman a última exigência dos internos, lá dentro o Batman questiona sua sanidade e paralelamente conhecemos o a história do fundador do Asilo, o doutor Amadeus Arkham. E tudo começa com um trecho de Alice no País das Maravilhas:
“Mas eu não quero me encontrar com gente louca”, observou Alice.
“Você não tem como evitar”, replicou o gato.
“Todos nós aqui somos loucos. Eu sou louco, você é louca”
“Como sabe que eu sou louca?”, indagou Alice.
“Deve ser”, disse o gato, “ou não teria vindo aqui”.
O texto acima é escrito com fontes diferentes, contudo com mesmo tamanho e sem distinção entre maiúsculas e minúsculas, o próprio subtítulo da graphic novel também está escrito desta mesma forma, isso da sensação de loucura, da falta de ordem. Ainda falando sobre fontes podemos ver na obra que diferentes personagens tem uma fonte, cor, e balões diferentes para representá-lo, assim o texto é lido como imagem, essa técnica evoca uma emoção específica e modifica a imagem.



O traço da graphic novel destoa do que se é comum ver neste tipo de obra, Dave Mckean tenta dar uma aspecto mais parecido a um filme do que a uma história em quadrinhos (doravante HQ), muitas vezes vemos a arte da obra muito semelhante a fotografias e assim a distância entre uma HQ e um filme ou mesmo a vida real parece ser amenizada, dando mais realidade à graphic novel.


Will Eisner, em seu livro Quadrinhos e Arte Sequencial diz que “O ato de enquadrar ou emoldurar a ação não só define seu perímetro, mas estabelece a posição do leitor em relação à cena e indica a duração do tempo”, contudo o que vemos no Asilo Arkham é um enquadramento flutuante, com imagens ao fundo e nem sempre é visível e distinguível o que acontece no quadro, o que faz com que a pantomima não tenha tanta importância e propõe um viés onírico a narrativa.



Os balões que se apresentam como forma de contenção das falas também serve para marcar o texto, mas como a Graphic Novel propõe abordagem onírica, muitas vezes não existe os balões, principalmente quando nas falas do Coringa.



Texto e imagem se unem de modo simbiótico para apresentar uma única mensagem.
A data escolhida pelo vilão é justamente o dia 01 de Abril, nos Estados Unidos April Fool’s Day (Dia dos Tolos), para o palhaço do crime tudo não passa de uma brincadeira, o que corrobora com esta interpretação é o fato do Coringa não praticar nenhum crime durante a jornada do cavaleiro das trevas no manicômio, a função do Coringa ali é ser um mestre de cerimônias para o show, que está sendo apresentado para nós leitores.
As cores presentes na obra demonstram a maldade no interior do manicomio, vemos cenários escuros, com cores frias e em certos momentos mal podemos ver os personagens, apenas seus vultos.

Intertextualização


O manicômio representa o mal e o artista brinca com intertextos para representar essa ideia, quando na estória paralela Amadeus Arkham volta para sua casa depois da morte de sua mãe e depois com o próprio Batman entrando no manicômio, Dave Mckean reproduz algo semelhante ao clássico pôster do filme O Exorcista, de 1973, para representar que o mal habita aquela construção. Quando Amadeus volta para casa podemos ver o verde a luz vindo direta do céu, como se fosse divina, podemos ver vida na construção, contudo, quando vemos o Batman entrar no asilo não vemos mais resquícios de vida, a vegetação está seca e o visual do quadro é triste, mórbido e cinza.


Não é apenas nas imagens que a intertextualidade está presente, neste quadro, ao adentrar no manicômio nos deparamos com essa imagem de boas vindas:

Os balões estão colocados aleatoriamente para sugerir uma balburdia confusa de vozes. O dialogo é tirado de literatura e filmes:

PAI QUERIDO PAI EU TENHO QUE CONFESSAR (no original FATHER DEAR FATHER I HAVE TO CONFESS) - titulo de uma canção dos Fauves (A banda de Grant Morrison nos anos 1980), escrita por Ronie Bookless.

TOME TOME TOME (no original TAKE TAKE TAKE) – de uma canção da Television Personalities. O verso inteiro é “Take, take, take. Have another slice of limonade cake”

EINSTEIN ESTAVA ERRADO! EU SOU A VELOCIDADE DA LUZ ROMPENDO ÁTOMOS TREMULOS E DEUS O CEU RODOPIA E MURCHA COMO UM ARCO-IRIS DERRETIDO – palavras do próprio Grant.

MILHÕES DE ROBINS! (no original MILLIONS OF ROBINS) – do filme de David Lynch, Veludo Azul.

PAPAI, FAZ O CACHORRO PARAR! ELE TA ME MACHUCANDO! O CACHORRO TÁ ME MACHUCANDO! (no original OH DADDY, MAKE HIM STOP! HE’S HURTING ME! THE DOG’S HURTING ME!) – a voz fantasmagórica da filha de Arkham vinda do tempo no começo do livro.

ALGUNS DIZEM QUE DEUS É UM INSETO. (no original SOME SAY GOD IS NA INSECT...) – do filme WUSA (Estrelado por Anthony Perkins.) Há várias falas de Anthony Perkins no livro.

CHARLOTTE CORDAY! CHARLOTTE CORDAY! CHARLOTTE CORDAY! – da peça Mart-Sade, de Peter Weiss.

SUJEIRA EM TODA PARTE! DEUS OLHA SÓ ISSO! SUJEIRA! SUJEIRA! (do original DIRT EVERYWHERE! CHRIST LOOK AT IT! DIRT! DIRT! – Grant ao falar sobre sua própria casa!

MORTO EM UMA BANHEIRA (do original DEAD IN A BATH) – referencia mais uma vez a Marat-Sade, comentando o fato que na verdade, na peça, ele estava morto em uma banheira.

EU CREIO QUE DEUS ESTÁ NO HOMEM (no original I BELIEVE GOD IS IN MAN) – também de WUSA, na continuação da fala “Deus é um inseto...”.

QUEM MATOU BAMBI (no original WHO KILLED BAMBI) – de The Great Rock’n Roll Swindle.

DITADOR DOS RATOS (no original DICTATOR OF THE RATS) – de Marat-Sade.

SANGUE E LARANJAS? (no original BLOOD AND ORANGES?) - uma de Dave. Essa frase não apareceu em Stray Toaster, de Bill Sienkiewicz? Deveria existir um bolo de casamento em camadas sob o Enforcado para representar a Torre, espelhando a casa de cartas que é derrubada no final.

O artista da obra, Dave Mckean, aproveita todas referencias que Morrison deixam claras no roteiro para também utilizar a arte como forma de intertextualização de alguns artistas famosos. Dessa forma, o estilo visual da obra foi inspirado pelo surrealismo, e os artistas descritos e utilizados pelo autor para a composição da obra temos: Cocteau, Artaud, Svankmajer, os irmãos Quay, dentre outros.
Dave Mckean também procurou demonstrar diferentes personagens com um estilo diferente no traço, assim como no balão de suas falas e as fontes que as compõe. Dando um exemplo, o clássico vilão Duas Caras, ex-promotor que depois de ter metade do seu rosto deformado passou a ser um violento criminoso que lida com a dualidade, para isso joga uma moeda para tomar suas decisões, cara e coroa.


Outro exemplo de vilão é o Chapeleiro Maluco, que é fascinado pela obra de Lewis Carroll e suas vitimas são garotas loiras, das quais ele as chama de Alice. Na obra, Mckean representa o vilão da mesma forma como a animação da Disney, Alice no País das Maravilhas, apresenta a Lagarta Azul, fumando um narguile, cercado de fumaça e parecendo como um sonho distante para o cavaleiro das trevas.


O sexo


A vida sexual do cavaleiro das trevas é abordada na obra de forma reprimida, e com o vilão insinuando uma relação amorosa, para além da amizade, entre ele e o menino prodígio, o Robin.


Segue abaixo as falas do trecho:

CORINGA: Alegria Chuchuzinho!
CORINGA: Escuta essa... Quantos ossos de nenê são necessários pra--
BATMAN: Cale-se.
CORINGA: Como estamos irritadinhos hoje!
CORINGA: Relaxa bundinha de ferro!
BATMAN: Tire suas mãos sujas de mim!
BATMAN: Calhorda degenerado!
CORINGA: Bajulação não vai te levar a nada.
CORINGA: Você está no mundo real agora, e os lunáticos tomaram o asilo.

Ao apertar a bunda do Batman o Coringa consegue desestabilizar o herói que sempre está no controle da situação, o Batman retratado na graphic novel é o do fim dos anos 1980, ou seja, é um herói solitário, violento e que tem problemas com relacionamentos humanos normais. É sabido que o Coringa planeja todas as suas ações para afetar seu nêmesis, e com esse apertão “ele discerniu com precisão como tornar o Batman desconfortável e tremendamente intimidado”.
A reação do Batman em relação ao aperto que o Coringa da em sua bunda pode estar ligado ao que Freud chama de recalque:

A primeira asserção que podemos trabalhar é com a hipótese de que o recalque é mantido e ocasionado por um ato intencional, logo, de volição, o que nos permite afirmar que o /QUERER/ modaliza o discurso

Conclusão 


A obra criada por Grant Morrison e Dave Mckean é grandiosa, repleta de referencias tanto verbais quanto não verbais, ou seja, as imagéticas, e nem todas elas puderam ser abordadas neste trabalho.
Asilo Arkham nos trás uma perspectiva diferente de vários personagens no universo do Batman, aqui podemos ver um herói mais humano, duvidando da sua sanidade e de seu papel na sociedade. O Coringa já vemos como um vilão que não comete os terríveis crimes dos quais somos acostumados, mas ele está ali apenas para desestabilizar o cavaleiro das trevas, e tentar convencê-lo de que aquela prisão psiquiátrica também é o seu lar.
Com arte diferente daquelas que somos acostumados a ver nos quadrinhos, Asilo Arkham consegue, pela apresentação de suas imagens, nos levar a um outro nível de interpretação semiótica de uma obra. 
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